FraGmentos

pintura- Gustav Klimt

É uma certeza - uma entre muitas - de esta viagem ter acontecido.

Muitas das recordações de percurso se esvaíram.
Lembro isto e temo não ser possível de descrever com a verdade o que esta recordação para mim merece. Ao tentar lembrar sinto uma nostalgia intensa, uma comoção profunda … senti desejo de lá voltar, para de novo sentir…
Havia tanta luz, era tudo tão intermitente e fugidio, que me senti sôfrega e aturdida. Esse foi o primeiro impacto.naquele terraço branco e cinzento, sem nada para além de um banquito e uma pequena mesa já bastante carcomida pelo bicho da madeira, ali cabia a minha alma inteira. Pelo menos nesse instante.Nesse instante, todas as palavras eram poucas. Fiquei calada, submersa numa torrente de emoções. Em silêncio, porque havia coisas indizíveis, e numa sequência de coisas sem nexo tudo se passou num instante intemporal. Senti uma extraordinária vibração entre mim e o sítio, constituíam um mesmo ser, uno e indizível. o sol brilhava ,as flores permaneciam, os pássaros coabitavam, as nuvens lá estavam, os sons cantam ao tempo agreste, os odores, o horizonte longínquo sobre ervas de um verde intenso … igual . eu, serena e absorta absorvendo todo o tempo aquela beleza natural , consciente do facto . As emoções que me despertava levava a uma espécie de sublevação dos sentidos, daí, a um estado de sublimação interior, e a insonháveis etapas rumo à harmonia de outrora. E ali estava eu, não com 31 mas com 7, 8, ou 9 anos. lia, saltava à corda, jogava à macaca, dançava, fazia passerelle com a minha amiga Raquel ( bem, éramos umas malandras. íamos ao guarda fatos da tia dela e vestíamos as suas roupas, calçava-mos os seus sapatos de salto enfim, só asneiras., próprias da idade – digo eu) mas do que me lembro com muito carinho foram as vezes ficava ali sozinha absorta em alguma coisa , em quê, não sei.não tenho a capacidade de fazer a travessia no espaço real. Só sei que ficava ali a observar o pôr do sol, essa imagem está bem patente na minha memória. E amei.-os a todos (momentos)com um amor suave e profundo.
A historia desta minha “viagem” é uma historia de infância: ela é inatingível e irrepresentável. Dela apenas é possível transmitir fragmentos, ainda que dissipados pelo meu eu. A dimensão enigmática de um ser humano cercado pelo próprio passado e pela incapacidade de o relembrar ou interpretar, é esta a minha verdadeira dimensão. É esta a minha verdadeira condição de narradora.nunca poderei esquecer a emoção que me causou aquele lugar, jamais.! Encanta-me o colorido inocente daquele pequeno mundo.
Imagens desvanecidas, outras vivas , quão belos e simples foram e, o recordar quase me faz chorar.
Avó querida, obrigada por tudo, por tudo mesmo!
A saudade com que te recordo é maior que o mundo, é maior que tudo.